EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

the brave knight...

Era um dia comum naquele reino. Pássaros cantavam, mulheres passeavam com suas crianças no colo, jovens cortejavam as donzelas pelo caminho, na esperança de conseguir ao menos um sorriso.
Então veio a tempestade, e em meio a trovões e ventania, chegou o estrangeiro montado em seu cavalo branco. A armadura era pesada e reluzente e o que se via do rosto do cavaleiro era apenas a cor dos olhos. Houve inquietação: os homens olhavam com estranheza o estrangeiro; as mulheres sorriam encantadas pelos belos olhos, cerrados e carregados de mistério.

O tempo passou e o cavaleiro continuou sem dizer àquele povo seu nome, mas falava de suas aventuras e conquistas em outros reinos, sempre cercado pelos jovens curiosos e pelas donzelas que apaixonavam-se a cada palavra proferida pelo estranho.

Apesar de ser tratado como herói e de poder ter a donzela que desejasse no momento em que desejasse, o cavaleiro sentia que havia algo que o perturbava interiormente, algo que o corroía por dentro mas que não conseguia identificar. Estava cercado e sentia-se só. Começava a sentir-se sufocado pela armadura. Desembainhou sua espada e olhou seu reflexo nela. Não reconheceu o rosto que via ali.

Virgo - o jovem que cuidava de seu cavalo - entrou no pequeno cômodo onde o estrangeiro repousava e assustou-se ao vê-lo despido de sua armadura.

- Estou partindo, Virgo. Fique com a armadura se quiser.
- Mas...
- Não precisarei mais dela. Só levarei comigo o cavalo.

E o cavaleiro valente dirigiu-se ao pátio, acompanhado do jovem.

- Vê aquela torre? - disse apontando para o castelo no alto da colina.
- Sim - respondeu o jovem.
- Vá e entregue este bilhete à donzela que está encarcerada lá.

E dando as costas ao rapaz, o estrangeiro montou seu cavalo e partiu.
O jovem, tomado pela curiosidade peculiar à idade que tinha, não resistiu e leu o bilhete:
"Pule, Helena. Liberte-se. Mas tome cuidado para não se perder no caminho. O inferno fica bem ao lado do paraíso. Talvez nos encontremos por lá. Por agora, preciso procurar algo. Preciso saber onde deixei minha alma."

E Virgo entendeu que o cavaleiro estava novamente buscando algo. Mas dessa vez, era algo sem o qual ele não poderia mais seguir. O cavaleiro valente buscava a alma e o coração que havia deixado pelo caminho.


Nenhum comentário: