EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

sábado, 22 de março de 2008

o final...

Quero jogar o telefone contra a parede e vê-lo espatifar-se em mil partes. Quero sentar no canto do quarto, como fazia aos 11 anos, quando me escondia atrás da porta para chorar. Aos 11 anos era diferente. Era mais fácil sumir por alguns instantes - coisa de criança. Já não posso mais. E quero ir para longe, bem longe daqui.
Há uma coisa, uma inquietação, uma falta de explicação, um "não-querer" respostas. Preciso correr, continuar correndo, sentir raiva, medo. Se eu parar, eu morro. Eu preciso de paz, mas não a quero. O coração está prestes a explodir, mal cabe no peito. As batidas estão me deixando sem ar, estão sufocando... Preciso gritar. Preciso voar. Não se pode morrer duas vezes: já estava morta antes. E fui eu que me matei. Matei a mim e a todos que estavam perto, um por um, com um sorriso irônico no canto da boca. E matei lentamente, precisava sentir cada golpe, cada corte profundo da lâmina na carne. Queria ver o horror em seus olhos. Chorava e ria, porque os amava e os odiava ao mesmo tempo.
Saí com as mãos sujas de sangue. Estava imunda, precisava me sentir limpa. Arrastei as mãos pelos corredores e deixei marcas por toda parte. A culpa me corroía, mas o prazer aliviava a dor quase insuportável. Morri ali, por dentro.
Agora olho-me no espelho e vejo um fantasma, vejo alguém que não sou. Vejo a criança novamente. Mas a menina matou o próprio diabo com apenas um sorriso.
Quero voltar para casa e não consigo: esqueci meu endereço. Não sei mais meu nome. Esqueci os nomes dos outros. Esqueci os segredos confiados.
Continuo do outro lado da rua, esperando que alguém me ajude a atravessá-la. Preciso achar o caminho de volta. Preciso me esconder novamente atrás da porta, o único lugar onde posso chorar em paz.
Já não há quem vá me procurar. Estão todos mortos.


3 comentários:

Andréa Ferraz disse...

...quase sem palavras...não sei o que acontece dentro de mim qdo leio o que escreve...affffffff...
Acredito que tem mto sentimento explicito em cada palavra!!!

I'm Nina, Marie, etc... disse...

Tem muito sentimento, Andréa... Só não sei dizer quais, porque são tantas coisas juntas, como nos dias em que sentimos vontade de chorar e logo depois tudo volta ao normal, como naquelas ferozes tempestades de verão.
Que bom que o que escrevo mexe com mais alguém além de mim...
bjs

Ricardo Augusto disse...

Perfeito e profundo, como sempre. O texto é uma fábula tão marcante e ao mesmo tempo tão sutil que é difícil não sentir o que a personagem sente.

Palmas pra vc!