EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Depois da Barca, o Naufrágio Noturno nos Lençóis

Aqueles dias de felicidade infinita, quando a poesia, o sonho e o real se uniram para me trazer o paraíso na forma da companhia do amor, do desejo e da cumplicidade íntima, são inesquecíveis. Jamais deixarão de existir, e eu sei que haverá mais dias como aqueles, até o dia, em que todos sejam como foram aqueles dias. E esse dia, eu sinto, está mais perto do que podemos supor. Tão especiais como os dias de passeios de barca, sorvete, caminhadas de mãos dadas, abraços e beijos no ônibus, de declaração de amor através do anunciante da farmácia com o microfone, foram as nossas noites. Quando fugíamos do mundo, para povoarmos um ao outro, o mistério de se compartilhar a fome, a vontade, a aniquilação e o conforto do aconchego no corpo e na alma alheia. Depois de passearmos de barca, e insinuarmos com o sabor das ondas os movimentos um sobre o outro, no refúgio de um quarto de motel, tomamos banho. Lavávamos-nos com saliva. Assim como na primeira noite, só que dessa vez ela me acompanhou, abriu mão da comodidade de sua própria casa para ficar comigo debaixo do chuveiro. A cena da primeira noite dos três dias em que passamos juntos, ela de joelhos, com o vestido negro que eu quase rasguei, sem calcinha, me ensaboando e me engolindo, os cachos vermelhos, a boca pequena que me surpreendia ao afogar-se tão profundamente em mim não abandonara os meus pensamentos desde então. O convite para me servir dela, em cima da mesa, em frente ao espelho, onde ela se empinara e escolhera a posição para eu segurá-la por trás, assistindo o seu rosto de sofrimento gozoso a cada estocada funda, o nosso orgasmo quase simultâneo na cama, de um proporcionando ao outro o espetáculo de assistir o prazer indescritível que os dois se presenteavam. A nossa primeira noite daqueles dias, só de me lembrar, me excitava e agora que estávamos enfim novamente juntos, não consegui me conter e a coloquei contra as lajes frias do banheiro e ali mesmo, no pequeno espaço do box, eu a agarrei pelos ombros, entrando com força, ansioso, queimando, mesmo sob a água. E ela, era toda mar entre as pernas.
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Logo ela terminou o banho, e foi se secar na cama. Vestindo somente sua camisola de estimação, a mesma que na nossa verdadeira primeira vez, eu mastiguei para sentir o seu cheiro e o seu gosto; eu me lavava enquanto a via, de quatro, tentando arrumar o rádio. Saí atendendo uma ordem irrecusável da minha libido, e ainda molhado, a puxei para me encaixar dentro dela. Estava enlouquecido de tesão, e queria que ela sentisse a sensação de me ter rasgando o seu ventre, por dentro. À medida que a cavalgada se aproximava do seu êxtase, eu perdia o controle sobre a minha força, e sem medi-la, temia por seus cabelos úmidos ao me servirem de rédeas. Entretanto, ela pedia para não se preocupar, adorava ser currada forte, uma cadela de cio interminável e um lobo que uivava delirante para que a lua soubesse que seu filho acabara de amar a mulher da sua vida. Matamos momentaneamente a angústia-alegre de eternamente precisar do outro para ser feliz e dormimos abraçados, nus, entrelaçados. Eu a fazer cafuné nos cachos vermelhos e perfumados que na barca estavam presos em um coque. Ela a enrolar os dedos nos pêlos do meu peito. Eu a velando, assistindo a delicadeza de seu sono, sabia que ao meu lado jazia uma criatura divina. Musa, ninfa, anjo ou súcubo. Uma menina, uma mulher, a minha mulher. O cansaço foi maior e acabei cedendo.
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E no meio da noite, como Lázaro, ressuscitei. As mãos, os dedos, quase inconscientemente procuraram o lugar mais quente para se esconder. Sem pressa encontraram entre suas curvas, as pétalas da rosa e sem acordá-la, começaram a massagear a pele sensível que se molhava. Só despertou quando abri suas pernas para poder mergulhar mais, e ela sorrindo se arrumou para facilitar as carícias. Beijos que cresceram até tomar outra forma, sua boca veio para me retribuir o seu acordar e dessa vez, com ela por cima, sua vez de ser amazona, nos desfizemos nos lençóis. Dormimos, exaustos. Acordamos pela manhã, com o rádio que permanecera ligado. Ela não teve tempo de descobrir como ele funcionava, eu não deixei. Aninhados nos braços um do outro, fomos homem e mulher, namorados a confessar olhando nos olhos brilhantes que fazíamo-nos felizes e que queríamos viver um com o outro. Pelo resto da vida. As noites só começaram, e foi um belíssimo, delicioso e indecente começo.
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POSTADO POR E AGORA JOSÉ?

5 comentários:

I'm Nina, Marie, etc... disse...

Muito bonito isso. Você consegue ser lírico mesmo quando beira a indecência...
Já disse isso antes?
=)

E agora José? disse...

Não, nunca. É a melhor crítica que já recebi. Tenho medo de soar como os romances do estilo "Julia, Sabrina e Bianca", quando falo de sexo. Porque acho muito mais interessante a poesia dele do que o ato por ele mesmo, em si. Só quem faz sexo com o homem, ou a mulher da sua vida entende o que quero dizer. E aprendi a escrever assim com quem há de melhor. Você. A musa poeta, que me inspira e transforma em poesia a minha vida. Eu te amo, já te disse isso hoje?

I'm Nina, Marie, etc... disse...

Não, você ainda não disse... pode repetir?

Mas voltando ao texto... há um "quase-sofrimento" quando você escreve (ou descreve) o amor e o sexo... E isso faz sentido, esse "quase-sofrimento" do amor, aquela "quase-dor" da saudade ou do momento da explosão do orgasmo...
É bonito... angustiante... você sabe que gosto disso...

Priscila disse...

Toda vez que venho aqui, é pq esqueço: é quase um santuário particular. Desculpem a luz da vela, estou de saída.

I'm Nina, Marie, etc... disse...

Não, não é um santuário particular... São textos... E o espaço é aberto porque gostamos que nos leiam...
Todos os que passam por aqui e comentam (ou não) são sempre bem vindos...
O nosso particular é público. E no fundo, não é estranho aos olhos dos outros. A única diferença é que falamos sobre o que todo mundo tenta esconder...