EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

orquídea...


Acendeu um cigarro e continuou escrevendo. Às 5:00 da manhã o sono já havia abandonado completamente o quarto. E entre a noite que dava adeus e o dia que iniciava sorrindo em laranja, o silêncio era uma dádiva divina.
Quando estava assim, dentro de si mesma e sem vontade de gritar ao mundo que precisava de um pouco de paz, entendia perfeitamente quando lhe disseram certa vez que nem tudo necessita ser expresso em palavras. Mas ela, em seu íntimo, assumia seu fetichismo exagerado por elas - palavras - e sabia que devia haver um ponto de equilíbrio.

Certas indagações consumiam seu peito há dias. Aquele desconhecido de longa data parecia-lhe estranhamente mais íntimo. Sim, eram íntimos e intensos dentro do claustro de um cômodo, mas quando as paredes fugiam do redor, afastavam-se de uma forma ininteligível, obscura, misteriosa. Eram breves momentos de felicidade que enchiam-lhe o peito e depois abandonavam o corpo por algum tempo, até que as ruas novamente se cruzassem. Eram ruas distantes e ele mesmo indagava-lhe a lógica dessa metáfora. Ela apenas sorria, porque aquilo fazia lógica apenas para ela, uma lógica-sem-lógica que ela inventou para sorrir.

Por vezes sentiu vontade de fazer perguntas para as quais precisava de respostas, mas acabou preferindo o silêncio, pois sabia que, de alguma forma, era melhor tentar aprender a ler os sinais do outro. Talvez em um dos beijos ou dos olhares ou dos carinhos houvesse um leve indício de que ele a desejasse com a mesma intensidade que ela. Talvez...

Enquanto sua cabeça vagava, o sol subia e a luz começava a invadir o quarto. Na janela, uma orquídea imaginária sorriu para ela.

Era o quadro perfeito...

Um comentário:

E agora José? disse...

Como diria Rubem Alves, é mais fácil amar o retrato. A cena que o compõe e a pessoa certa para vivê-la. Te amava antes de te conhecer, estamos apaixonados, mas eu ainda não completei a cena. Quero deixar espaço para que pintemos junto, com as tintas das nossas vidas, as paredes, o teto, o chão e nos surpreendamos. Me rebocar com você, de você. Enfim, compreendem? Pintar o sete. Te amo demais.