EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 31 de março de 2008

simples...


"É mais fácil amar o retrato. Eu já disse que o que se ama é a ‘cena’. ‘Cena’ é um quadro belo e comovente que existe na alma antes de qualquer experiência amorosa. A busca amorosa é a busca da pessoa que, se achada, irá completar a cena. Antes de te conhecer eu já te amava... E então, inesperadamente, nos encontramos com rosto que já conhecíamos antes de o conhecer. E somos então possuídos pela certeza absoluta de haver encontrado o que procurávamos. A cena está completa. Estamos apaixonados."

[Rubem Alves]


sadismo...

Confesso haver um pouco de sadismo em mim. Ou o que quer que seja. Não surge de um desejo infantil de vingança ou mágoas - essas, eu as descarto, são pequenas demais para tomarem meu tempo ou esforço mental - mas de uma vontade louca de que as pessoas caiam para que aprendam a levantar e a caminhar sem muletas. Avaliando por esse aspecto, parece positivo.
No fundo, bem lá no fundo, deve haver algo de bom em mim.


quarta-feira, 26 de março de 2008

o homem do fim do mundo (repostagem)...


Ele caminhou por horas sem saber seu destino. Chegaria a algum lugar, em algum momento. Mas como saber onde parar? Como saber o que o esperava? Precisava de um sinal. Um sinal divino, que fosse. Mas não acreditava em Deus. Não acreditava no que não estava ao alcance de seus dedos, de seus olhos, de seu controle. Em sua mente racional e sistemática, haveria de haver razão para tudo, explicações para todos os fenômenos. E perguntava a si mesmo e aos outros o que não tinha resposta. Ele mesmo as respondia, tentando calcular e investigar os limites do que não podia ver, mesmo sabendo que o subjetivo era incalculável, sem regras, desconcertantemente hipotético. Precisava provar, talvez ao mundo, talvez a si mesmo, que o que chamamos de "amor" era apenas um desencadeamento de ações provenientes de reações químicas, nada mais. Estava carcomido por dentro. Pensar que um gesto poderia ter mudado todo o rumo de sua história o consumia. Talvez não o gesto em si, mas a palavra final. A palavra final decidiu o destino do mundo, de seu mundo particular, infinitamente correto. Sabia que continuaria andando. Só. Míope. Trôpego.

Era o homem da ciência. Era o homem do fim do mundo. O homem que matou a insanidade; a loucura e a liberdade de amar.


terça-feira, 25 de março de 2008

sobre o passado...

passado
pas.sa.do
adj (part de passar) 1 Que passou; decorrido, findo. 2 Imediatamente anterior. 3 Que passou de tempo; avelhantado, velho. 4 Diz-se do fruto que começa a apodrecer. 5 Seco ao sol ou no forno (fruto). 6 Desapontado, enfiado. 7 Atordoado, banzado, espantado.

(Michaelis)

Engraçado como as pessoas agarram-se a colunas ou livros de auto-ajuda para tentar fazer a própria vida um pouco mais vivível, mais consolável. E uso "engraçado" como eufemismo para "tragicômico".
Por isso sinto-me uma excelente estrategista: soldados que se precipitam ou falam demais acabam morrendo no front. Cometem suicídio sem saber. Eu apenas observo. Não olho para trás. Mantenho-me viva. Feliz. Mais feliz ainda por saber que o passado não volta. E que os mortos, meus amigos, não levantam das tumbas. No máximo, deixam os espíritos infelizes vagando em volta do que ainda vive, sem serem notados.
A vida segue. O presente é agora. O futuro ainda está por vir (e num futuro bem próximo, estarei andando de mãos dadas com o dono dos meus sorrisos, porque nos amamos e somos o presente do outro, porque o passado já se foi, passou, ficou no seu lugar de direito - na memória, apenas.)

Postado por Nina



domingo, 23 de março de 2008

para me (des)entender...


"Inútil querer me classificar,eu simplesmente escapulo não deixando. Gênero não me pega mais."

"Aceitar-me plenamente? É uma violentação de minha vida.Cada mudança, cada projeto novo causa espanto:meu coração está espantado.É por isso que toda minha palavra tem um coração onde circula sangue."
(Um sopro de vida)

"Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:
quero entender um pouco.
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."

"O que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão."

Tudo de Clarice Lispector. A descrição perfeita (ou não) do que sou... a melhor forma de me (des)entender, mesmo sabendo que não é possível rotular o que não se pode definir.


amor vincit omnia...

Continua tudo bem no reino dos sonhos...
Continuamos (e permaneceremos) felizes... e cúmplices. Mesmo que as línguas-víboras e as mentes insanas (mais do que as nossas) desejem o contrário.
Amor vincit omnia.


sábado, 22 de março de 2008

o final...

Quero jogar o telefone contra a parede e vê-lo espatifar-se em mil partes. Quero sentar no canto do quarto, como fazia aos 11 anos, quando me escondia atrás da porta para chorar. Aos 11 anos era diferente. Era mais fácil sumir por alguns instantes - coisa de criança. Já não posso mais. E quero ir para longe, bem longe daqui.
Há uma coisa, uma inquietação, uma falta de explicação, um "não-querer" respostas. Preciso correr, continuar correndo, sentir raiva, medo. Se eu parar, eu morro. Eu preciso de paz, mas não a quero. O coração está prestes a explodir, mal cabe no peito. As batidas estão me deixando sem ar, estão sufocando... Preciso gritar. Preciso voar. Não se pode morrer duas vezes: já estava morta antes. E fui eu que me matei. Matei a mim e a todos que estavam perto, um por um, com um sorriso irônico no canto da boca. E matei lentamente, precisava sentir cada golpe, cada corte profundo da lâmina na carne. Queria ver o horror em seus olhos. Chorava e ria, porque os amava e os odiava ao mesmo tempo.
Saí com as mãos sujas de sangue. Estava imunda, precisava me sentir limpa. Arrastei as mãos pelos corredores e deixei marcas por toda parte. A culpa me corroía, mas o prazer aliviava a dor quase insuportável. Morri ali, por dentro.
Agora olho-me no espelho e vejo um fantasma, vejo alguém que não sou. Vejo a criança novamente. Mas a menina matou o próprio diabo com apenas um sorriso.
Quero voltar para casa e não consigo: esqueci meu endereço. Não sei mais meu nome. Esqueci os nomes dos outros. Esqueci os segredos confiados.
Continuo do outro lado da rua, esperando que alguém me ajude a atravessá-la. Preciso achar o caminho de volta. Preciso me esconder novamente atrás da porta, o único lugar onde posso chorar em paz.
Já não há quem vá me procurar. Estão todos mortos.


Hathor - Cow Rules

Muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuhhhhhh!!!!

sexta-feira, 21 de março de 2008

sobre animais...

Acho realmente interessante o reino animal. E não canso de observá-lo. Como dito anteriormente, comparo seres humanos a animais o tempo inteiro. Deve haver uma explicação antropológica ou psicológica para algumas comparações ou manifestações.
As mulheres, por exemplo. Vejamos. Geralmente são utilizadas comparações (com intuito ofensivo) com certos animais: piranha, cadela e, enfim, a mais comum (e fofa), a vaca.

A piranha é um pequeno peixe carnívoro de água doce, à primeira vista inofensiva, mas com apetite extremamente voraz. Isso não me parece ofensivo. Muito pelo contrário. Conclusão: não julgue o predador pelo seu tamanho, pois você pode se surpreender com sua força.

A cadela... Características importantes dos cães são a lealdade ao dono e o instinto territorial aguçado (além dos sentidos apuradíssimos); o instinto maternal forte, capaz de acolher um animal de outra espécie, adotando-o como sua própria cria; a ferocidade em zelar pela sua prole.
"De todos os animais que conhecemos é o cachorro o que mais se uniu a nós. Sejam príncipes que lhe dão farta comida e leito de plumas, ou mendigos que dormem ao relento e só podem oferecer-lhe uma pequena parte das suas próprias migalhas, idêntica é a sua afeição e dedicação, e com igual amor lambe a mão ornada de jóias e os dedos trêmulos, consumidos de doenças e fome." (Théo Gygas)

"A vaca é o que há. Ela está em nossos garfos, em nossos armários, em nossas propriedades, em nossa fé. A falta dela é estrategicamente estudada - os vegetarianos que o digam! - e até seus excrementos são desejados, seja por agricultores, seja por psicodélicos caçadores de cogumelos. Na Índia, religião oficial é o hinduísmo, que considera a vaca sagrada. O animal é um antigo símbolo da Mãe Terra e da fertilidade do solo."
Isso significa, que dos animais que pastam, as vacas são o que há de mais interessante.
Tenho pena dos burros. Estes sim, condenados a pastar eternamente. E geralmente morrem de fome entre dois montes de feno por pura estupidez.

Então, o que posso dizer é que, ao invés de ofensivas, as associações acima são edificantes. Que mulher nunca foi chamada de piranha, cadela ou vaca? Que mulher nunca pediu ao amante para que se utilizasse dessas alcunhas na hora do sexo? As hipócritas, falsas pudicas que maldizem a felicidade e liberdade alheias (que Vênus perdoe a negação dessas criaturas à comunhão com a natureza e os outros seres), esquecendo de viver a própria vida, estão a torcer o nariz nesse exato momento. (vale ressaltar que nunca fui chamada de burra, isso deve ser um excelente sinal)

Mas depois de tudo isso, o que realmente me apavora é a ignorância e o preconceito desse animal bípede chamado racional: o homem. O mais aterrorizante é que os limitados estão a crescer e se proliferar pelo mundo, como uma praga. É o oposto da evolução.
Demos graças aos deuses se um dia os ignorantes conseguirem atingir o nível intelectual dos chimpanzés. Talvez consigam servir para estudos sobre a decadência da raça humana.

Muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuhhhhh!

PS: Quase ia esquecendo da galinha: segundo a cultura Yorùbá, Ilê Ifé "é a galinha sagrada que semeou a terra e começou a expansão para a criação do mundo". Lindo, não?


sobre o sofrimento...

Ainda lendo Artur da Távola. Genial.
Cheguei a uma crônica super interessante sobre sofrimento (Sou eu que faço você sofrer ou é você que sofre por mim?).

Segue um trecho bem esclarecedor:

"(...)
Se sou eu que faço você sofrer, então são meus atos, atitudes e ações as geradoras do seu sofrimento. Nesse caso, ou mudo, ou continuarei lhe provocando sofrimentos. Tudo passará a ser uma questão de conseguir (será possível?) fazer cessar aqueles meus atos, ações, atitudes, comportamentos feitos (consciente ou inconscientemente) para você sofrer, por sadismo, egoísmo, incapacidade de perceber as fronteiras de sua tolerância, ou por raiva, vingança, neurose.
Mas se é você que sofre por minha causa, então tudo fica diferente, embora possa parecer igual. Os meus atos, atitudes, reações, comportamentos, mesmo sem qualquer intenção, ofendem, fazem mal, danificam, fazem sofrer. Por quê? Porque você sofre por minha causa. O sofrimento não é causado por mim. Ele está em você e eu o causo, indiretamente. Mesmo fazendo tudo para você não sofrer, pelo simples fato de ser como sou, você está sofrendo. Não sou eu quem faz você sofrer. O sofrimento é causado por mim. Ser o que, quem e como sou, faz você sofrer, irrita de graça, machuca sem querer."

Particularmente, fico com a segunda opção. Preferimos culpar os outros por nossos sofrimentos e misérias, quando, na verdade, a coisa toda está enraizada em nós.
Somos miseráveis por necessidade, uma necessidade doentia de sentir dor. Eu mesma me faço miserável às vezes. Mas sei que o sofrimento, mesmo sem razão, vem de dentro para fora, nasce no peito e transborda pelos poros como suor.

Uma hora alivia. Como o choro.
As lágrimas um dia secam.


mais um...

Pastel sobre cartolina (Andressa Furtado)
- inspirado em obra de Auguste Rodin -

"O espírito esboça, mas é o coração que modela"


quarta-feira, 19 de março de 2008

sobre as relações humanas...

"(...)
Saber amar implica conhecer uma porção de coisas que o amor não sabe: esperar, deixar fluir, não invadir as dúvidas do outro, não abafar nem impedir, ainda que com carinho, que a outra parte ejete a fossa, a angústia ou a dor que a oprime."
[Artur da Távola]

Amar não é fácil. Saber amar, menos ainda. Saber amar envolve um pouco de razão misturada ao sentimento. É isso, então? Em que proporção? Teoricamente, muito bonito. Mas a prática é puramente visceral.

O que distancia (?) homens de animais é a racionalidade. É o comportamento moral, o saber viver em sociedade. Mas as relações humanas estão muito relacionadas à porção animal do homem. São muito mais instintivas, amorais ou imorais. A coletividade é racional; o indivíduo é dualista. A batalha entre instinto e razão é passível de permitir até mesmo a absolvição de um indivíduo incapaz de conviver em grupo, com a alegação de insanidade temporária. Contraditoriamente, a mesma batalha condena o homem que cometeu um pequeno delito, infinitamente menos nocivo que o anterior, por uma questão puramente moral, sem levar em consideração as condições - motivos, sentimentos - que o conduziram a tal ato.

O que isso tem a ver com o amor?
O amor foi apenas um exemplo. Tem a ver com as relações humanas. No fundo, não há explicação que valha.

E nós, homens, somos todos animais com apenas alguns rompantes de razão.

interessantíssimo...


"O encontro e a ocupação do próprio espaço implica a descoberta (tranqüila ou dolorosa) do que é realmente nosso e do que é dos outros e ficou preso dentro de nós. Aí está uma das descobertas fundamentais do ser humano.Descobrir e ocupar o próprio espaço é a verdade existencial: no bom e no ruim que tenhamos. É ocupar com material próprio tudo o que somos e fazemos. É encontrar e seguir o próprio destino. Não o Destino, no sentido fatalista. Mas o destino no sentido da destinação profunda do que somos, fazemos e queremos."


"(...)
O medo do ser gera outros eus. Gera o tu, o ele, o nós, o vós, o eles no eu; e não o eu no tu, no ele, no ´nós, no vós, neles, como expressão mais autêntica e verdadeira do que somos e não do que fingimos ser."

"(...)
Eu mudo sempre. Por isso sou ALGUÉM QUE JÁ NÃO FUI. Alguém que pretende estar apenas e até onde conseguir ser. Pouco. Mas todo."

[ALGUÉM QUE JÁ NÃO FUI, Artur da Távola]


indagações (talvez) existencialistas...

Tenho idéias existencialistas, sim (e sou exaustivamente repetitiva também, eu sei...). Talvez aquele papo sobre moral e ética tenha mexido um pouco mais (além do conveniente) com a minha cabeça, que, diga-se de passagem, é um canto que divide-se entre a subjetividade filosófica e a objetividade científica. Complicado isso. Mas uma coisa acaba conduzindo a outra e vice-versa. Sempre há um ponto de partida (acho que era essa a expressão que o professor de sexta-feira estava tentando buscar quando disse que o conhecimento mítico servia de "entusiasmo" para o conhecimento científico): ponto de partida. Daí, vêm os caminhos e a expectativa pela linha de chegada, pelas respostas. Nem sempre as encontraremos. E até acredito que encontrar algumas (muitas) delas seja deveras frustrante.

Bem, ontem, durante minhas andanças pela cidade, passei por um sebo ao ar livre e - obviamente - não pude conter o impulso de comprar alguma coisa. Acabei trazendo "Diálogos" (Platão) e "Alguém que já não fui" (Artur da Távola). Já havia lido muitas crônicas dele (Távola), mas nunca um livro inteiro. Como o livro era de crônicas, achei interessante dar uma olhada.
Estou chocada. Apaixonada. Quase dormi com o livro embaixo do travesseiro. Descobri que ele nunca havia sido lido (apesar de antigo), pois algumas páginas não estavam bem refiladas, ou seja, estavam juntas, apenas dobradas. E descobri também que o livro está autografado pelo autor (!!!), datado de dezembro de 1978. Eu tinha apenas 3 anos.
Descobri ainda certas "tendências" existencialistas em algumas passagens do livro, quando fala do ser e do estar, a infelicidade que vem de dentro, e não de fora, não dos outros. Lindo. Perfeito. Cheguei a chorar (essas minhas alterações hormonais acabam comigo). Mesmo assim, não tenho a pretensão (nem de longe!) de dizer que o autor concordaria com meu ponto de vista. Até porque eu mesma (apesar de ter certos pensamentos existencialistas) acho que há algo muito contraditório na filosofia. A questão da alma, por exemplo. Eu acredito na alma, na essência. Acredito que é justamente pela alma, por causa dela, que o exterior tem um peso menor. É a questão de ser único, de agir mesmo de forma amoral, porque a sua alma clama por isso. É não querer seguir algumas normas, porque a sua visão do mundo é diferente do que lhe disseram. É enxergar mais, ver além, querer descobrir o que há por trás das portas, dentro dos baús trancados. É não caber dentro de si. Seguir normas e ordens é fácil. Decidir o que fazer requer esforço, reflexão, interiorização.
No final das contas, não posso dizer que sou existencialista. Sou a favor da liberdade individual e da subjetividade do ser humano. Mas a minha ignorância (sim, eu sou ignorante), não me permite separar alma e existência. Até porque não há regras sem exceções ou verdades absolutas, nem mesmo filosofias que não sejam questionáveis.
E eu sou contraditória. E subversiva. Assumidamente subversiva.

terça-feira, 18 de março de 2008

sensível...

Passei o dia a andar e pensar... e uma hora cansei e fui à praia, onde, descalça, olhei o mar e cantei... Li Platão, cantei mais um pouco... e lembrei de uma música de Vinicius e Toquinho (não há necessidade de comentar os motivos)...

"É comum a gente sonhar, eu sei,
Quando vem o entardecer;
Pois, eu também dei de sonhar
Um sonho lindo de morrer.
Vejo um berço e nele eu me debruçar
com um pranto a mim correr
e assim chorando acalentar
o filho que eu quero ter.

Dorme, meu pequenininho
Dorme, que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho
De tanto amor que ele tem."

[O Filho que Eu Quero Ter - Vinícius de Moraes]


domingo, 16 de março de 2008

a quase partida e o retorno...

Ela afastava-se dele justamente pelo medo da solidão: temia a espera sem fim, temia que a luz apagasse aos poucos, que o quarto ficasse totalmente escuro. A cama já era fria demais, grande demais. E sentindo que ela escorregava pelas pontas de seus dedos, ele a tomou bem perto e disse palavras que ela não esperava ouvir.
- Estúpida. Deixe de pensar que é esperta. Olhe pra mim.
E olharam-se. Ambos soluçavam. Talvez não precisassem mais de palavras.
- Eu sei o que você quer... eu sou o que você quer... eu te dou o que você quer... e consigo tratar do que você quer.
Ela, muda, só conseguia fitá-lo nos olhos, tão de perto que quase podia ler seus pensamentos.
- Quero fazer amor com você... e te fazer um filho, um menino. Sei que você quer.
Os soluços já não se continham mais. As palavras simplesmente não se faziam ouvir, não tomavam forma em sua língua. Ele sabia do desejo que ela havia confessado anos antes, mas nunca haviam se aprofundado no assunto. E foi ali, naquele momento, que o coração começou a reagir novamente.
- Não vai dizer nada?
- Eu não sei o que...
E a beijou como nunca havia beijado antes. Passava uma mão pelos cabelos soltos dela, enquanto a outra a despia, e os lábios enxugavam as lágrimas que corriam pelo rosto. E enquanto olhavam-se e choravam, amavam-se com uma ternura que haviam esquecido que existia.
- Tenho guardado isso há anos. Mas queria te dizer na hora certa, assim, suado de amor, baixinho, perto do seu rosto, te penetrando, antes de gozar...
E foi assim que a paz se restituiu, o amor se reinstaurou... E toda a mágoa e toda a dor ficaram para trás, no passado tão recente que ainda podia ser tocado.
Mas quando ela despertou no dia seguinte, sentiu o ventre cheio. E sorriu. Não havia mais nada antes daquele dia: apenas o futuro que começava a crescer dentro dela. E o amor adormecido ao seu lado na cama.

sexta-feira, 14 de março de 2008

múltipla...

Ela dividia-se em tantas partes, tantas vezes... A multiplicidade tornava os pequenos fragmentos leves, quase invisíveis, partículas que voavam e se dispersavam, independentes. Era a inconstância entre o ser e o estar. Era a alma feita de nuvens, nuvens que quando se dispersavam revelavam o sol ou os pequenos pontos cintilantes no azul do céu noturno. Da mesma forma, as nuvens - pequenos fragmentos de alma - uniam-se e escureciam o dia, roubavam o brilho da noite. E então o espírito tornava-se mais pesado que o corpo. Mas tornava a ficar leve novamente, numa dança cíclica interminável, em que seus dias e horas corriam de forma aversa ao mundo, em movimentos interiores ininterruptos e hormonais.

Postado por Nina

quinta-feira, 13 de março de 2008

trechos...

"(...)
Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!"

(trecho de Mistério, Florbela Espanca)

*****

"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."

"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

"Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas... continuarei a escrever."

"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada."

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 12 de março de 2008

certos dias...

Há certos dias em que surge o gosto metálico na boca. O sal escorre pelo rosto.
Garras rasgam o ventre e o estômago atrofiado. Quero chorar mais um pouco. Quero gritar.
E a voz, onde anda? O inferno estendeu-se mais um pouco e os miseráveis puseram-se a sorrir.
Silêncio, por favor. Todas essas vozes confusas surgem na sobriedade.
É melhor permanecer na insanidade dos pensamentos que voam.

Postado por Nina


domingo, 9 de março de 2008

bocas...

Pastel sobre cartolina (Andressa Furtado)


sobre a infelicidade...

A infelicidade é outro mal desse bicho estranho chamado homem (novamente não especifico o gênero masculino, até porque as mulheres gostam muito mais de fazer o tipo infeliz). Há uma diferença entre infelicidade e tristeza (já falei sobre isso antes? Ah, não, havia falado sobre sensualidade versus vulgaridade, outro tema bem interessante).
A melancolia é algo passageiro, transitório, interno. Vem, fica um ou dois dias, e vai embora como aquela prima chata da sua avó que resolveu vir passar o final de semana (e dormir no seu quarto, o que é ainda pior). A tristeza até faz bem, faz olhar um pouco para dentro naquele momento em que precisamos da tal introspecção. Quem diz que sorri o tempo todo mente; até os felizes e bem resolvidos têm seus dias ácidos. Sorriam, amigos! Vocês são normais. Podem economizar o dinheiro da terapia.
Agora, há os infelizes. Pior que os infelizes, só os que fazem apologia à infelicidade. Esses, sim, são dignos de umas boas palavras duras de vez em quando. Quem não cai, não aprende a levantar; quem não se machuca, não aprende a deixar cicatrizar e fica enfiando o dedo na porcaria do machucado para arrancar a tal casquinha, pelo simpes prazer de ver sangrar de novo. E chora, chora, chora. Vive andando de muletas.
Mas o pior de tudo é culpar os outros pela própria infelicidade. Isso é o cúmulo (com o perdão da expressão) da babaquice. Ninguém é responsável pela sua infelicidade. Você se faz infeliz, pequeno, castigado pelo mundo, pelos deuses, por tudo o que há de externo a você. Mas a infelicidade, meus amigos, é um câncer. Ele nasce por dentro e vai te corroendo, te consumindo, acabando com você aos poucos, numa morte lenta e lamacenta.
Perdeu o emprego? Paciência. É hora de procurar outra coisa, talvez você descubra algo melhor. Levou bomba na faculdade? Acontece. Corra atrás e estude mais no próximo período. Levou um pé na bunda do namorado (ou namorada)? Foda-se. Isso acontece o tempo todo. Ninguém é obrigado a te amar pra sempre, mesmo que seja esse o desejo de quem gosta. Olhe para os lados e abra-se para as possibilidades.
O que quero dizer com tudo isso? Que é uma imensa perda de tempo ficar buscando justificativas, causas, culpados. Devia ser muito mais proveitoso buscar novas alternativas, saídas, soluções.

As mulheres, particularmente, têm o dom irritante de fazer da infelicidade um negócio grandioso. Sinceramente, sinto vontade de matá-las. Deviam fazer mais sexo. Ou comer mais chocolate (o que estiver mais facilmente ao alcance). Doses maciças de serotonina sempre fazem bem.

Sempre fui feliz. Fui feliz quando acertei, e mais feliz ainda nas vezes em que errei, pois aprendi com todos os meus erros. E levantei, sorrindo pro mundo.

Hoje sou mais feliz ainda, pois sinto que, enfim, estou fazendo todas as escolhas certas. Escolhas que me fazem sorrir. E perder o medo. Definitivamente.

Postado por Nina

sábado, 8 de março de 2008

mulher...

Não quero outro sexo. Quero ser sempre mulher, complicada, cíclica, hormonal, indecente; o jardim que floresce independente de tempo ou estação, a metamorfose sem prazo para se completar.

Não quero outro corpo. Os seios já não são pueris. As ancas alargaram. Cada marca em meu corpo conta uma parte de minha história: as linhas de expressão, a cicatriz dos partos, as estrias das gestações.

Outra alma? Nunca. Sou feliz com minha alma que sofre pelos filhos, que chora de tristeza e alegria, que é exageradamente protetora e feroz. Minha alma que absorve o mundo.

E outro amor? Não, não quero outro amor. Quero esse amor que me faz sorrir, que me surpreende, que me assusta, que me faz arriscar versos e me faz sonhar com felicidade sem fim, acreditando em milagres. Esse amor que me faz cantar. Esse amor que me transforma em menina novamente, e ao mesmo tempo me faz crescer. Esse amor que me faz cadela, puta, anjo, profana, divina. Esse amor que me faz mulher. Sua mulher.

(Obrigada, José. Um agradecimento ao homem que me fez esquecer os contratempos de ser mulher. Quero assumir minha condição feminina de novo, e de novo, e de novo... por todas as vidas que vierem pela frente... desde que você esteja sempre por perto.)

Postado por Nina

sexta-feira, 7 de março de 2008

ainda bem...

"(...)
Neste mundo de tantos anos
Entre tantos outros
Que sorte a nossa, hein?
Entre tantas paixões
Esse encontro, nós dois,
Esse amor..."

[Ainda bem - Vanessa da Mata]

quinta-feira, 6 de março de 2008

a segunda pele...

Há muitas vestes sobre o corpo. Os tecidos tornam-se desnecessários e inconvenientes. Meus olhos cerram-se e os lábios contraem-se quando a outra voz vibra mansa dentro do quarto. É lento, dançante, coleante, e o serpentear de dedos nas alças finas segue o ritmo da voz que sussurra versos musicais. Sinto-me leve e livre daquela outra roupagem. Os pêlos dourados do ombro nu arrepiam-se. Sinto que há algo dentro de mim e é dessa sensação que sinto urgência em falar. Não é o sexo dentro do meu; é a outra alma fundida na minha, inteira, saliente, impetuosa. Há dois mundos diferentes aqui dentro, e com eles, um universo de possibilidades. É o paralelo entre o toque e o intangível, o som e o silêncio, a luz e a escuridão.
E é assim, despida de roupas que não são minhas, que me cubro de você: seus pêlos roçando minha barriga, suas mãos cobrindo meus seios, sua barba contando segredos aos meus ouvidos. Os cachos misturam-se, as línguas enroscam-se, os sexos desprendem-se.
Sua alma suspira dentro da minha. Teus pêlos me aquecem o corpo.
Você, minha segunda pele.

Postado por Nina


Soneto Escarlate







SONETO ESCARLATE
.
As ondas rubras quebram em teus ombros
Em quedas, cascatas de vermelhidão que ecoam em teus ouvidos
Entre meus dedos, eu colho a umidade, o veludo e o perfume
Desses cabelos quais medusa, vivos
.
Ao vento, cachos rebeldes dançam
Roçam a pele levemente, carinho quase desafio
Pois o teu toque, é de eriçar os sentidos
E o teu cheiro é capaz de entorpecer os que amam
.
Fortes e viçosos, presos, asas de corvos
Em que seguro com força para puxar
Impiedoso trazendo o teu corpo inteiro para trás
.
Desse sagitário são as rédeas que cavalgo
E, no fim, quando ambos estivermos aniquilados
São debaixo dos caracóis carmim que eu vou me aninhar
.
POSTADO POR E AGORA JOSÉ?

segunda-feira, 3 de março de 2008

Manhã-Crônica: ASAS


“_Minhas asas? Há, elas são frágeis e fáceis de quebrar, inúteis. Se eu dependesse delas para voar, jamais conseguiria ir mais longe que as serpentes. Ainda bem que minha alma é leve, cavalga o vento, beija a brisa, e não há limites para onde ela possa ir, ela sempre segue a felicidade. E, mesmo assim, para todo anjo caído meu amigo, restam-lhes as pernas. Os homens, os mortais, são tudo o que eles possuem, e eles desafiaram com elas, os portões da casa de Deus, marchando sob a chuva, foram mais longe que qualquer um poderia imaginar. E Ele viu que isso era bom, (no fundo, depois de algum tempo, todo deus quer se aposentar) basta que nós vejamos isso também. Nas noites, penso em você, acordado ou sonhando. E acordo com o despertador da saudade.”

.

POSTADO POR E AGORA JOSÉ?

haicais...

Nunca havia me aventurado a escrever um haicai, mas José (sempre ele) propôs uma brincadeira interessante: ele propunha os motes e eu tentava os haicais. Acho que consegui, só não faço idéia se são o que se espera de haicais. Fiquei mais feliz quando li que há no Brasil uma linha de haicais compostos sem a preocupação com métrica ou com referência à estação do ano (Paulo Leminski, Millôr Fernandes, Olga Savary, etc)

Eis o resultado da brincadeira:

rosa na carne
vermelha nas costas
rosada nas coxas
*
caninos famintos
uivos insanos
momento da caça
*
lua devassa
valsando no céu
da noite vadia
*
fome e luxúria
desejos latentes
no sexo e na alma
*
sonhos fundidos
bistrô na cidade
e a casa no campo
*
rebentos de vida:
girassol floresceu;
leão que rugiu
*
amor em versos
beleza fitada
musa e poeta
*
a cama e nós
enrolados em lençóis
no quarto de hotel
*
coxas cruzadas
boca aberta
vergonha de nada
*
forgo ardente
chamas de medo
inferno de dúvidas
*
fogo que queima
as coxas, o sexo
a alma, o beijo
*
corpos despidos
amor urgente
no chão de cimento
*
aquela boceta
gostosa, vermelha ===> ele pediu um haicai com palavrão... :)
a rosa crispada
*
explosão gloriosa
o cume do amor
argamassa gozosa
*
os dias cinzas
as folhas secas
outono que chega
*
vento em conluio
com nuvens travessas
brincando de roda
*
chuva caindo
menina dançando
menino sorrindo
*
a bala na cabeça
achada na rua
aos quatro anos
*
vovó está morta
e todos suspiram
aliviados, enfim
*
doutores da fé
agiotas divinos
do rebanho perdido
*
esgoto ao mar
Guanabara de sonhos
merda a boiar
*

domingo, 2 de março de 2008

não perecível...

A felicidade não é um bem perecível que está à disposição em prateleiras. Muito menos o amor. Não há rótulos estampados nos sentimentos estipulando prazo de validade. E se houvesse rótulos, deveria constar neles "validade indeterminada". Quem pode dizer quanto tempo dura um amor? Um dia, algumas semanas, meses, muitos anos, a vida inteira?
Sim, eu acredito no amor que dura a vida inteira. O amor livre, despido de obrigações, leve. O amor de mãos dadas. O amor que nasce impaciente na juventude e continua menino no avançar da idade. Por que não? Por que fadar o amor ao fim, ao fracasso, antes mesmo que ele surja? Amor que é sentido assim é amor natimorto. Não é amor. É ensaio. Apenas.
Mente quem diz que não se importa que seu amor acabe. Eu me importo. Eu não quero que acabe. Quero a felicidade risonha de andar de mãos dadas com o meu amor sempre. Quero tudo. A vida toda.
Se nós nos aturaremos por tanto tempo? Não sei. Mas eu desejo que seja assim, que dure até eu não poder mais respirar, e que sua boca sele o meu último sorriso.

luz dos olhos...

"(...)
Os meus olhos vibram ao te ver, são dois fãs, um par
Pus nos olhos vidros pra poder melhor te enxergar
Luz dos olhos, para anoitecer é só você se afastar
Pinta os lábios para escrever a tua boca em minha..."

Pintarei os lábios de vermelho para marcar versos em tua boca...