EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Agnes do inferno


Agnes era uma mulher de aproximadamente trinta anos, casada, sem filhos. A tradicional família de seu marido a culpava e acusava de ter o ventre infértil e seco, sendo a causadora da desgraça de não haver crianças correndo pelos corredores do imenso casarão.

Dona de um espírito excêntrico, encantava a todos com a vivacidade dos olhos e os sorrisos brilhantes. O mistério nos gestos e olhares de Agnes eram provocantemente desconcertantes, principalmente aos olhos do austero marido.

A suntuosa casa era sede de grandes encontros semanais, hábito que o marido herdara de seus pais: jantares exuberantes, tardes de chás beneficentes com velhas senhoras amigas da mãe de Gerard. Agnes era um bibelô para aquela gente. Mas ela possuia um brilho simples e magnífico, uma chama que não apagava e incendiava mesmo os amigos mais íntimos de seu marido.

Dotada de lábios, seios e quadris excepcionais, era notada onde quer que fosse, o que quer que vestisse.

A paz de Agnes tornou-se tormento com a chegada de uma carta endereçada à velha matriarca. Enquanto esta chorava de contentamento, os olhos de Gerard tornaram-se sombrios e sua expressão, dura. O irmão mais moço de Gerard estava voltando à casa dos pais. Damien era o que o marido chamava de porção podre de seu sangue. Durante os dez anos que vivera com Gerard, Agnes só conhecera Damien através dos porta-retratos que adornavam os aparadores do enorme escritório de seu sogro. Um pouco mais novo que ela, o rapaz havia partido ainda muito jovem para estudar em outro país.

Nos dias que se sucederam, Gerard pouco falou e quase não comeu. Fitava Agnes com um olhar resignado e amargurado, como se pudesse prever o que lhe aconteceria.

Numa manhã fria e nebulosa, enquanto tomava seu banho para juntar-se aos outros no café da manhã, ouviu grande alarde vindo do andar inferior. Sentiu a curiosidade queimar sua garganta e se apressou. Gerard já não estava mais em seu quarto. Vestiu-se e desceu.

Damien era um grande diabo com olhos de fogo e sorriso irônico. Agnes sorriu como se já o conhecesse. Foram de encontro ao outro como se já soubessem quem eram e dispensassem apresentações. Os pais de Gerard e Damien, abraçados, exibiam sorrisos não muito comuns àquela casa. Entreolharam-se e os sorrisos morreram lentamente em seus lábios.

Os dias corriam numa velocidade alheia ao tempo real. Agnes sorria mais que o usual. Damien estava constantemente envolvido - como observador - nos preparativos que sua mãe e Agnes coordenavam para o grande jantar de boas vindas. Constantemente ficavam a sós, mas em silêncio; apenas olhavam-se. Damien arriscava um contato furtivo vez ou outra, encurralando Agnes nos cantos escondidos da casa. Mas Agnes sempre se esquivava. E enquanto todos estavam entretidos com a recepção, Gerard mantinha-se ocupado com os negócios de seu pai.

Na noite do jantar, Agnes demorou mais do que o habitual para se arrumar. Nua em frente ao espelho, olhava seu reflexo enquanto se perfumava minuciosamente. Sentia um calor diferente, uma ansiedade, um tremor perturbador. Batidas à porta trouxeram-na de volta à realidade. Cobriu-se com um roupão e, imaginando ser a sogra, mandou que entrasse. Damien entrou em seu quarto e trancou a porta lentamente, como um ladrão prestes a agir. Agnes não conseguia falar, mas seu peito saltava a cada passo que Damien dava em sua direção. Os olhos em chamas do diabo faziam Agnes arder inteira.

Como se soubesse como seria aquele momento, Agnes simplesmente não recuou. Deixou o roupão deslizar pelos braços e cair a seus pés. Damien ajoelhou-se à sua frente e beijou-lhe os pés. Suas mãos subiram pelas pernas, passando pelos quadris e deslizando para a frente de seu ventre, repousando ali. Levantou o rosto lentamente e beijou-lhe a barriga, enlaçando as pernas nuas com seus braços. Agnes sentiu um calor intenso nascer dentro do corpo e se dissipar entre as pernas: não era apenas o desejo crescente que ondulava para fora dela, mas o próprio sangue que lhe escapava, como se fosse morrer, como se fosse esvaziar o corpo.

Damien puxou Agnes para o chão, escancarando-lhe as pernas e afogando a boca no sexo ensanguentado. Os olhos brilhantes de Agnes reviravam, sentindo o corpo ser tomado por algo que jamais sentira antes. Damien afastou-se do meio de suas coxas e sorriu ironicamente, com o rosto coberto de sangue. Arrastou-se por cima de Agnes e encaixou-se nela, beijando-lhe a boca, sem que ela sentisse asco ou repulsa. E enquanto grunhia e lacerava as costas de Damien com as unhas, viu-se observada por Gerard e os pais do marido.

Os velhos sorriam; Gerard observava amargurado, mais velho, infeliz. Damien acabara de provar sua posição de dominante em sua raça, papel que estaria reservado a Gerard, o primogênito. Damien fecundara um pequeno demônio no útero infértil de Agnes.


3 comentários:

Priscila Boltão disse...

O.o
Sem palavras.
Realmente, muito bom.

Miss ya.

I'm Nina, Marie, etc... disse...

Veio um "revival a la Popescu" em minha mente... rs...
Saudades daquele tempo...

I'm Nina, Marie, etc... disse...

Let's write a romance, dear!
Garanto que seria melhor do que "Crepúsculo"... hahahahahaha!