EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

[Alter]ego

Preciso viver as outras para viver comigo. As outras são meus fragmentos, partes que se desprenderam de minha alma - porque o corpo é limitado e a alma é infinita - e tomaram vida própria, corpo próprio. Pari todas elas. Não sou bipolar: sou multipolar, venusiana, extravagante. Há sempre um excesso de qualquer coisa com uma urgência louca de ser vomitada, dita, sentida. Há sempre um inferno a ser contido, um mistério a ser desvendado. Há uma ausência a ser suprida, uma porta a ser fechada, uma janela a ser aberta. Há demônios pelo caminho; há espelhos. Há esse gosto em minha boca, essa agonia em meu peito. Há o carro a espera do lado de fora. Há o momento da partida. Há a fuga e o encontro. Há um espaço indivisível e contraditório, pessoas amontoadas nesse cômodo no canto escuro do meu corpo. Há essa inevitabilidade de que os sentimentos sejam distribuídos exclusivamente a cada uma, sob tutela: amor, ódio, impulso, desejo. Cada sentimento tem uma face, um eu proprietário. E o grande conflito é batalha travada entre nós, a Torre de Babel fundada em mim. Esse é o momento do expurgo, quando todas unem-se e transbordam e se dissipam.
O alívio é momentâneo; o tormento é invisível.

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