EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

fome

Sinto fome. Sinto fome porque sou bicho, porque sou mulher. E sinto fome porque não tenho medo, porque tenho urgência. Sinto fome da pele que repousa - calmaria. Sinto fome da transição do estado letárgico para o estado de alerta. E dos nervos que entram em choque, colapso consentido (e com sentidos). E o que me apetece é mais que alimento - é banquete que nutre meus tecidos e me aquece. Salivo. Os lábios molham-se. As bocas sucumbem às tentações da carne, meus pecados capitais. E o alimento mastigado, sorvido, lambuzado pelos lábios encharcados é enaltecido - glorioso rito antropofágico. E essa carne não reduz à míngua, ao contrário, cresce, multiplica, agiganta-se como o pão e o vinho - banquete divino. E meu mastigar é sem dentes, carinho ofertado pela boca macia. O alimento quer ser devorado, lançando-se contra mim em atitude suicida. Aberta, o recebo. Tensão. Calor. Explosão. Inferno.
Assim jaz teu falo em meu sexo e tua língua em minha boca: alimento-me de gozo e saliva.

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