EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

domingo, 1 de novembro de 2009

micro tragédia romântica

Ela chorava baixinho na cama para que não pudesse se ouvir. O choro era para dentro, era engolido, tragado, escondido. Não queria ouvir seus próprios soluços.
Escorregava para fora da cama e buscava algo que pudesse usar para feri-lo, mas passava minutos intermináveis a fitá-lo com o triturador de gelo na mão, sem conseguir avançar. Ele dormia sem culpa, pesadamente, com um quase sorriso no rosto bonito.
Ela o amava. Ele também a amava - do seu jeito. Mas ela não suportava que ele amasse outras mulheres com a mesma intensidade, com a mesma ternura que fazia seu corpo vibrar a cada palavra, a cada suspiro, a cada promessa de amor. Não conseguia deixar de vê-lo, não conseguia deixar de atender seus telefonemas no meio da noite, quando dizia queimar de desejo e contava da urgência que sentia de seu corpo. Sentia-se infeliz e irremediavelmente perdida de amor.
Trinta e cinco anos se passaram e agora ela sorri, feliz. Ele é, enfim, todo seu. Ele havia passado os últimos trinta anos em uma cadeira de rodas e inválido após um acidente de carro no qual Angela era a condutora.

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