EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

domingo, 27 de dezembro de 2009

Crônica natalina

Domingo, 20 de dezembro: a pequena "restauração" da sala de estar é finalmente concluída, após duas ou três semanas de trabalho árduo dos pedreiros de casa mesmo - nós e o noivo de minha irmã. Percebo que a minha parte do trabalho não terá o resultado esperado - chão de tacos soltos sempre dá um trabalho miserável. Aquela bendita cola que promete resultados mágicos não parece querer dar jeito na situação. Tudo bem. Pelo menos tudo ficará bem para o Natal. Faltam apenas alguns detalhes - limpeza, pendurar o quadro novo e esperar a loja entregar o sofá novo e a mesinha de centro.
Segunda, 21 de dezembro: começa a fase limpeza. Estamos todos quebrados e imundos. Cada um faz um pouco da etapa fatídica. Resolvemos ir à tal rua dos lustres para comprar um abajour que combine com o novo clima contemporâneo da sala de estar com uma parede vermelha. É avant garde. Mamãe entra em todas as lojas do quarteirão e nos faz suar como porcos ao sol de 40°. Acaba escolhendo um modelo da última loja em que entramos, que por acaso tínhamos sugerido no começo de nossa incursão que fosse a primeira. Tudo pela nova sala.
Terça, dia 22 de dezembro: vou trabalhar e ligo a cada 30 minutos para saber se entregaram o sofá. Nada. Nem sinal. Resolvo ligar para a loja. O vendedor me passa o telefone do galpão. A simpática Andréia me atende, dizendo que a entrega será feita apenas no dia 23. Podemos sair, então, para finalizar nossas compras natalinas. Encaramos o shopping desesperadoramente lotado. Tudo bem. Temos crianças felizes. Nossos pés é que nos matam. Fome e sede também. A praça de alimentação mais se assemelha a uma praça de guerra. Melhor não arriscar. Resolvemos tomar uma cerveja no boteco pé sujo da esquina. O China - o atendente mal humorado mas gente boa - nos serve alguns pastéis e meia dúzia de cervejas. Lavo a minha alma. Tentamos não olhar o bueiro aberto ao lado da mesa - se os pastéis estão ótimos, para que estragar o clima?
Quarta, dia 23 de dezembro: chegou o dia. A ansiedade por ver a sala nova totalmente montada nos corrói, quase não dormimos de ansiedade. O dia passa. A tarde chega. Nada. O interfone não toca. Ligo novamente para Andréia. O telefone não atende. Inferno astral. Sete, oito horas da noite. Conformamo-nos com o sofá velho mesmo.
Quinta, dia 24 de dezembro, meia-noite: meu celular - que não estava no modo silencioso - grita ao meu ouvido, me despertando do sono bom. Eu atendo muito injuriada e vejo que é um número com identificação bloqueada. Isso me irrita profundamente, principalmente no meio da noite. Digo uma meia dúzia de "alôs" e a pessoa do outro lado se limita a me ouvir. Isso me irrita mais ainda. Algumas pessoas não perdem certos hábitos. Ex-namorados e velhos vícios. Por isso - entre outras coisas - tornam-se "ex". Custo a dormir novamente. Está calor. Penso novamente no sofá. Que se dane, ainda temos o bom e velho "tobogã". O sono vem novamente. Perco-me em algum sonho estranho. Ao longe, uma campainha vai tocando. O som insistente daquele som semelhante ao meu interfone me desperta. Ouço agora o telefone tocando. Minha irmã atende. Não é um sonho. Olho o relógio: duas horas da manhã. Meu primeiro pensamento é minha avó. Telefonemas de madrugada nunca são boas notícias. Minha irmã entra no quarto de meus pais. Bate um desespero pensando que realmente algo de ruim aconteceu. Ela me olha e diz que o sofá chegou. Vou até a janela e vejo o caminhão parado em frente ao prédio. Realmente não é um sonho - está mais para pesadelo. Visto-me de péssimo humor e desço os três andares - de escada! - para abrir a portaria. Dou meia dúzia de broncas nos entregadores - coitados - que estavam fazendo entregas desde as sete da manhã do dia anterior. Compadeço-me e resolvo ser simpática. Precisamos tomar cuidado para a descompensada da síndica não chamar a polícia por causa do movimento suspeito às 2:10 da manhã. Não posso reclamar, pois eu mesma chamaria. Ninguém acreditaria que um sofá pudesse ser entregue às duas da manhã na véspera de Natal! Não deu outra: enquanto os rapazes colocavam o sofá novinho em folha na minha sala, o motorista do caminhão era surpreendido por uma viatura com dois policiais militares. Sorte a dele que eu estava de prontidão na janela e acenei aos homens da lei, sinalizando que estava tudo bem.
2:40 - eles vão embora e nós continuamos na sala, namorando o sofá novo, como um bando de bocós. Meu pai resolve acender o abajour para testar a iluminação. Percebo que somos uns desocupados. Voltamos, então, todos para as respectivas camas, num frisson para que o dia logo amanhecesse e pudéssemos terminar a decoração. Adormeço uma hora depois, após relatar o ocorrido numa ligação interurbana ao meu namorado.
Às seis da manhã estou novamente de pé, pensando que a sala era o menor dos meus problemas naquele instante. Resolvo sair e me livrar do peso que ainda me incomodava e tirava meu sono, para que pudesse respirar mais facilmente e pensar em começar realmente o ano novo de alma lavada. E sala nova, claro.

2 comentários:

E agora José? disse...

Estou curioso pra ver essa revolução que vocês fizeram na sua sala. E feliz por respirar aliviado e livre, sonhando e contando as horas pra te ver. Sem qualquer sombra entre nós para atrapalhar o ano novo.

Muito obrigado meu amor por ter lutado por nós. O nosso amor vence tudo. Te amo e quero passar o resto da vida com você, e quando tivermos a nossa casa, sei que vamos nos divertir tanto quanto você e a sua família se divertiram nessa restauração.

I'm Nina, Marie, etc... disse...

Amor vincit omnia.