EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 29 de julho de 2009

dádiva

Não te darei versos
porque não sei fazer poesia
sou sem métrica
sem rima
sem rumo
Sou essa matéria amorfa
que moldas com os dedos,
com a ponta da língua
traçando o vale entre as coxas
os montes dos seios
a volta da nuca
a nuca, a nuca, a nuca...
mil vezes a nuca
esse contorno que segue a linha dos ombros
perpassa o pescoço
alcança o queixo
seguindo o rastro da boca bacante.
Darei-te a boca
esconderijo macio
minha taça osculante
misteriosa alcova sombria.
Embebeda-me, fauno
Embriaga-me com o vinho divino,
Deixa-me torpe
arisca, louca
derrama a bebida dos deuses
na taça recôndita de minha boca!


terça-feira, 28 de julho de 2009

amanheceres

Quando cai a luz
E o silêncio se instaura
Vem tua voz
Teu corpo
Tuas mãos
Tua presença
Nossa música
Nossa dança
Nossa valsa
A boca tua
ritmo
gosto
Enquanto a noite vem
a lua foge
a chuva cai
gozo dos deuses
ranger
poema
furor da carne
loucura passiva
ativa
mansa
corrida.
Acordo trôpega
náufraga;
onde anda a voz,
o sonho,
a língua?
Onde anda o amor?
Marcaste a pele
por dentro
por fora;
Onde andam teus versos
quentes, frescos,
afáveis?
Sinto o cheiro
das novas coisas,
da nova pele,
do novo dia.
Amanhecemos.
Amanheci.
Amanheceres.

Mulher & Vida

E no entanto a mulher, com lábios de framboesa
Coleando qual serpente ao pé da lenha acesa,
E o seio a comprimir sob o aço do espartilho,
Dizia, a voz imersa em bálsamo e tomilho:
- "A boca úmida eu tenho e trago em mim a ciência
De no fundo de um leito afogar a consciência.
As lágrimas eu seco em meios seios triunfantes,
E os velhos faço rir com o riso dos infantes.
Sou como, a quem me vê sem véus a imagem nua,
As estrelas, o sol, o firmamento e a lua!
Tão douta na volúpia eu sou, queridos sábios,
Quando um homem sufoco à borda de meus lábios,
Ou quando os seio oferto ao dente que o mordisca,
Ingênua ou libertina, apática ou arisca,
Que sobre tais coxins macios e envolventes
Perder-se-iam por mim os anjos impotentes!"
.
As Metamorfoses do Vampiro - primeira estrofe
Charles Baudelaire
.
.
.
Ela é misteriosa como as mulheres ciganas, tão cheia de segredos quanto a esfinge
Olhos quais os de uma moura, rasgados e desafiadores tais quais os de um lince
Sabe como a amante e a meretriz as artes secretas da sedução e do amor
Tão destemida, profana e inerente como as deusas da fertilidade pagãs
Conhece o futuro de um beijo como a mais sábia das sibilas
Me prende entre as coxas, a minha mais feroz inimiga
Sussurando palavras mágicas dentro de meu ouvido
Deitando fogo em carne no meu leito, me servindo
A pira dos hereges, o fogo das feiticeiras
Nada queima tanto quanto sua pele
Me contaminando com seu desejo
Ardendo fico, doente e em febre
Envenenado por seus beijos
Dançarina do ventre
Serpente que baila
Enguia úmida que
Ao toque se abre
Flor e rio, ninfa
Vítima minha
Mulher
.
Cabelos vivos, que valsam com a brisa, medusa de olhar vítreo
Transformando aos meus olhos todas as outras em manequins ínfimos
Escravizando o meu desejo ao seu corpo quente, me viciando em seu cio
Amazona que aprisiona o corcel dentro de si, serva que é senhora no íntimo
Cantando gemidos, dançando com os quadris, coleando, osculante, perdidamente
Te cobrindo, currando, fornicando, cópula, cruzando juntos é que nos descobrimos
Enigma que se desfaz, profecias que não se cumprem, delírios insanos e conscientes
Guerra só de perdas e derrotas que somam gostos selvagens, batalhas de morte e vida
Ameaças deliciosas, armas de prazer, transformações bestiais, festivais de gozo e gritos
Feridas inesquecíveis, sensações plenas, certeza de que encontramos o cúmplice perfeito
Aos nossos crimes de volúpia, assassinatos de luxúria, condenados a não se satisfazer nunca
Eternamente implorando por mais, imponentes e orgulhosos de nossa pena, queremos pagá-la
Rastejando de fronte erguida, cuspindo na face divina, desafiando e provocando a todos por toda
Vida
.
POSTADO POR E AGORA JOSÉ?

sexta-feira, 24 de julho de 2009

intervalo


Intervalo para um breve desabafo.

Conversando com um amigo ainda agora, falávamos de como é deprimente beber sozinho. É realmente deprimente beber sozinho, ficar sozinho, gozar sozinho.
Mais triste ainda é passar a noite sem bebida, sem gozo, sem cigarro... e sozinho.

Foda-se. Sempre acabamos encontrando alguém que está na mesma situação de merda que a gente.
E pensar que a intenção era ter uma noite agradável...

Pronto. Agora podemos retornar à programação normal.



quinta-feira, 23 de julho de 2009

"o mar, companheiro misterioso"

Ele perdeu-se no mundo; perdeu-se miseravelmente no mundo. E havia confessado àquela mulher - àquela maldita mulher - seus temores, revelado seu grande mistério. Mas ela perdera-se também, igualmente miserável. E por ter esquecido a senha que permitia sua entrada, ele resolveu puni-la, deixando-a do lado de fora, à beira da porta, à beira do mundo. Os anos foram lançados ao mar, seu eterno companheiro misterioso. Restaram promessas e sentimentos náufragos. Veio o grande vazio, a morte do pouco de alma que ainda lhe restava.
Ela batia à porta, batia insistentemente, até suas mãos sangrarem. Precisava entrar, dizer que ainda lembrava dele, afagar-lhe os cabelos. Mas havia perdido a maldita senha.
Cansou. Esperou.
Silêncio.
Havia, então, mais que um oceano entre eles: o sal verteu em abismo movediço.
Silêncio.
Partida.

de quatro

Empinava-se
sonolenta
meio morta
meio viva
empinava-se
ao delírio
ao falo
ao talo
ao homem
ao bicho
empinava-se
à noite
de dia
madrugada
alvorada
empinava-se.
Ele comia
batia
enterrava
fodia
cravava
metia
uivava
grunhia.
E ela, sodomizada,
cavalgava
mordia
arranhava
gemia
arfava
vadia
gozava.

terça-feira, 21 de julho de 2009

avesso

Não, a beleza não me atrai.
Atrai-me a a sujeira,
o desarranjo, a fúria,
a urgência, a gana,
a indecência da escória.
Atraem-me as curvas,
saliências, o calor trepidante,
- quente, pelando, fervendo.
Atrai-me a pele por baixo da pele,
por dentro, o avesso.
Atrai-me o que te excita,
porque tu, assim como eu,
é matéria estranha;
estranha aos olhos,
ao cheiro,
ao gosto dos limpos.
Para o inferno com a morosidade,
a circunstância,
a frieza das linhas retas.
Para o inferno, não;
pois o inferno é lugar nosso.
Eles que arranjem outro pouso.

http://projetomarginalia.blogspot.com/


[Des]tempo


Parti-me tanto naquelas noites
naqueles espaços de tempo
onde o lugar pouco importava
quando a vergonha fugia da alma
e o corpo dançava infértil
que hoje a água brota de todos os cantos
de todos os poros
verte em lágrimas, suor, gozo
o chão de medos
o céu de certezas
o limbo de improbabilidades
a terra de desejos angustiantes.

Fugi tanto daquelas horas
porque dias não contam tempo
porque tempo não existe;
o que é o tempo?
O carcereiro que segue tictacteando
o meu tempo sem-tempo
os meus segredos explícitos
as minha desrazões
os meus encantos e perdições
as intenções e desamores
e amores e raivas
a alma e o resto do corpo
porque o que me resta
é o resto do tempo sem-tempo.


quarta-feira, 15 de julho de 2009

rememória


Mostra-me os dentes sujos
da carne minha,
da noite passada.
Mostra-me as unhas aceradas
que deixaram a pele marcada.
Mostra-me, anda, mostra-me!
Conta detalhes do que lembro
Diga-me como a pequena boca,
osculante, extasiou teu membro.
Mostra-me, anda, mostra-me!
- suplica a alma novamente,
reverberando a voz no escuro,
estremecendo o desejo latente.
Mostra-me como fizeste com força
e me puseste no lugar da escória;
mostra como as putas se sentem;
ata-me ao corpo teu - rememória.

coesão


Coesão, tal que é razão
pela qual os corpos se unem,
coesos estamos - íntimos
sem causa ou condição.

Colisão, tal que é embate,
encontro, luta entre corpos,
vencidos estamos - exaustos
onde não há derrota após o combate.

Pecado, tal que é falta,
vício, defeito, transgressão,
perdidos estamos - gozosos
sem pesar ou contrição.

Morte, tal que é voltar a viver
Leva-me agora em teus braços:
recria meu corpo na lida
gloriosa de amar e foder!

Incubus

Oh, Incubus maldito!
Derrama-te inteiro em meu ventre
Verbum caro factum est!
Materializa a palavra impura
Profana meu corpo indecente
Aspira minh'alma perdida
e prende minha pele em teus dentes.
Verbum caro factum est!
Teu verbo transborda em carne
E perverte as preces em grito
Penetra a cova macia
Oh, Incubus maldito!
Tua palavra me faz carne
E o coito segue glorioso
Verbum caro factum est!
Despeja espesso em mim
O verbo fluido e gozoso!

segunda-feira, 13 de julho de 2009

essas maravilhosas mulheres - parte II...


Por que me acham suja?
Não sou suja; sei sê-lo quando quero.
Suja, libertina, pervertida.
Carrego no ventre a imundície do mundo,
os desejos de todos os que têm desejos.
Sou a sujeira dos sem-medo,
a audácia dos que voam.
Não sou suja:
Sou livre.

***

E eis que me deparo com os extasiantes versos de Hilda Hilst:

Do Desejo

Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

[Hilda Hilst]


domingo, 12 de julho de 2009

essas maravilhosas mulheres...


"Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com fragilidade. Puta que pariu, não é assim. Isso não existe. É um erro pensar assim. Eu sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher. Mas não sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra também na questão literária. Não existe isso de homens com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. Eu fico puta da vida com isso. Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me interessa escrever como homem."

[Lya Luft]


Incrível como essas mulheres são tão dotadas de razão...


terça-feira, 7 de julho de 2009


Ele bebia de seu corpo em grandes goles, parando para respirar vez ou outra, juntando fôlego para continuar se afogando no oceano que ela tinha entre o par de coxas marfim.
Embebedava-se da alma liquefeita que vazava do centro do mundo: nem mesmo Dionísio provara da embriaguez cambaleante que causava o visco divino.
Provocaram, então, a inquietação do Olimpo...


segunda-feira, 6 de julho de 2009

diálogos...

Nem todos os diálogos são como os de "O Banquete", entre Platão e outros filósofos. Há os diálogos de amantes, os mais simples, os mais belos... Diálogos entre pessoas que se encontram (ou reencontram) por acaso, na fila do supermercado, dentro do ônibus ou em comunidades sobre literatura... Diálogos para serem lembrados por toda a vida...


Ela diz: Boa noite.
Ele diz: Boa noite, claro... Onde deixei meus bons modos?
Ela diz: Você vem sempre por aqui?
Ele diz: Mais ou menos há uma semana, se não me engano.
Ela diz: Isso mesmo...
Ele diz: Embora pareça que conheça essa pessoa por mais tempo do que seja possível acreditar.
*

Ele diz: Não adianta ficar envergonhada...
Ela diz: Não adianta tentar me fazer confessar. Até porque você precisaria me torturar...
Ele diz: Isso é um convite?
Ela diz: Pode ser...
Ele diz: Achei que se comportar excluia torturas no primeiro encontro... Mas tudo é negociável...
Ela diz: Exatamente.
*
Ele diz: A culpa é minha, toda minha. Confesso.
Ela diz: Por quê?
Ele diz: Pra você não pensar que não se comportou.
Ela diz: You can't blame me.
Ele diz: Blame beauty and desire.
Ela diz: Desire is such a dangerous thing...
*
Ela diz: It feels good...
Ele diz: So good... Could it feel better?
Ela diz: I have no idea... What could be better than that?
Ele diz: My imagination doesn't let me say.
Ela diz: Your imagination does... your lips don't.
Ele diz: Unfortunately.
Ela diz: That's a shame...
Ele diz: Nem me fale...
*
Ele diz: Você dança muito bem.
Ela diz: Você ainda não viu nada... Eu tenho ritmo.
*
Ele diz: Você é linda demais, doida demais.
*
Ela diz: Estou apaixonada por você, sabia?
Ele diz: Estava duvidando... E sabe o que mais?
Ela diz: O quê?
Ele diz: Eu também. Você está me fazendo pensar em loucuras...
*
Ele diz: Estou com vergonha e medo de escrever sobre o que você me faz sentir.
Ela diz: Por quê?
Ele diz: É. Porque você me faz duvidar de tudo, não estou brincando quando digo que você está abalando meu mundo... Não sei o que sobra depois do terremoto.
Ela diz: A gente só descobre se passear no meio dos escombros depois. Porque aí tem certeza que sobreviveu.
Ele diz: E eu sobrevivo a você? Com doses de morte doce todas as noites?
*

Ela diz: Adorei o que você escreveu...
Ele diz: Só escrevo para alguém quando estou apaixonado.
*
Ela diz: Você fuma?
Ele diz: Não. O meu pulmão é o de um fumante mas não fumo.
Ela diz: O que tem seu pulmão?
Ele diz: Bom, eu tenho várias "ites".
Ela diz: Bronquite?
Ele diz: Sim.
Ela diz: Rinite, sinusite?
Ele diz: Rinite e sinusite por enquanto não.
Ela diz: Eu tenho os dois.
Ele diz: Que gostoso. Então vamos espirrar juntos. Vamos ao supermercado comprar lenços de papel.


sexta-feira, 3 de julho de 2009

Eternal Sunshine of the Spotless Mind

I love that movie... And i'm just like Clementine Kruczynski sometimes...
There are interesting quotes about it...

You can erase someone from your mind. Getting them out of your heart is another story.

Clementine's quotes:
  • Drink up, young man. It'll make the whole seduction part less repugnant.
  • I'm always anxious thinking I'm not living my life to the fullest, y'know? Taking advantage of every possibility? Just making sure that I'm not wasting one second of the little time I have.
  • ...you stop listening to what is true, and what is true is constantly changing.
  • I apply my personality in a paste.
  • I'm a vindictive little bitch, truth be told.
  • I'm not a concept. Too many guys think I'm a concept or I complete them or I'm going to make them alive, but I'm just a fucked up girl who is looking for my own peace of mind. Don't assign me yours.
  • Don't assign me your life.
  • You look familiar. Ever shop at Barnes & Noble?

About Joel and Clementine:

Clementine: You're not a stalker or anything, right?
Joel: I'm not a stalker. You're the one that talked to me, remember?
Clementine: That is the oldest trick in the stalker book.
Joel: Really? There's a stalker book? Great, I gotta read that one.

*

Clementine: You know me, I'm impulsive.
Joel: That's what I love about you.

*

Joel: I can't see anything I don't like about you.
Clementine: But you will, you will think of things and I'll get bored with you and feel trapped because that's what happens with me.
Joel: Ok.