EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Fato consumado

Você me olha de um jeito assustado. Estou assim, tão nua e tão de repente. Você me despe dessa pele que me esconde do mundo. Estou sua, tão absurdamente sua. E você não sabe de onde surgi, como fui parar no meio de suas coisas. Balbuciamos duas ou três palavras, todas elas carregadas de desejos impunes. Há um mapa em branco entre seus lençóis, seus livros, sua música. As poesias estão todas sobre a cama, porque você quer que eu as leia em voz alta. Drummond, Vinicius e Quintana são testemunhas mudas e inertes de um amor não consumado. É essa alegria que nos toma de assalto em pleno baile de máscaras. Aquelas outras músicas também calam. Ouvimos somente essas melodias que compartilhamos e que nos dizem algo que sentimos por baixo da pele. Permanecemos em silêncio, com olhos vidrados. O sono é persona non grata entre essas paredes. Não recuamos. Não avançamos. Há uma tensão implícita e instigante na ausência do toque, na separação, na gana que me provoca. Ouço tempestades se aproximando. É o teu rosnar pacífico de homem que ama. É o meu caos hormonal lançado contra a tua pele. Silêncio ensurdecedor. Hiato carnal lançado à pira. Minha rendição total. Drummond, Vinicius e Quintana permanecem testemunhas mudas entre lençóis e esse bolero de Ravel que toca apenas quando nos liquefazemos em amor - fato consumado. Memória que acabo de inventar.

Um comentário:

E agora José? disse...

A realidade e o sonho, o desejo e a fantasia sempre se misturaram conosco. E a vida se torna mais poética, sedutora, inclassificável. E o sexo, ah, o sexo... O nosso sexo é literário. Um épico depravado de prazer.