EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 19 de maio de 2011

calendário

Vem, olha o calendário - olha o meu calendário. É noite de lua. É dia de maré alta e me encontro transbordada no revés do tempo atravessado e sem juízo. Atomizo o desvio, a dúvida, o medo. Pressuponho atrito, verdade, quimera. [Des] alinho-me. Liquefaço-me na cor que derramas dos olhos, no que não me dizes em sussurros bonitos e nas perturbações labirínticas e extasiantes. Confino-me no invólucro que te cobre os braços e me liberto pelos teus poros - porque te deixo impregnado e transpirante. E tu me reabsorves na ponta da língua-fera, embebedando-se de maresia lunar e violenta. Tu, homem do mar, me faz crer infinita, azul, fértil, ondulante. Então vem depressa e olha de novo o calendário - é nele [e em ti] que encho minhas marés.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

os nomes

para H.

A cada nome que dou ao que sinto, ao que me fazes, balbucio um outro nome - o teu nome - no meio da minha bagunça e das minhas verdades. E te arrasto em minha correnteza doce e abundante, entre tempestades e sorrisos e loucuras. E me recrio em línguas e pele e me faço gato. Gemes desejos. Estremeces beleza. Concretizas tuas ameaças não proferidas em língua - somente em linguagem - e me mostras que a dor morreu antes que me ferisses a carne, antes que me dissesses nomes que não ousarias em outros tempos. Sentimo-nos renascidos novamente dessa puta parideira chamada Vida, tentando dar nome ao que acaba de acontecer, às marcas que me deixas no corpo, ao sono que se perde no encontro, ao que dizemos em silêncio. E em meio a tudo isso, todos os nomes parecem pequenos, espaços finitos, desalinhos. Sigo, então, oceânica. E tu, marujo, navega-me agora sem bússola, guiando-te apenas pelas estrelas.