EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

seres

Deslizo a ponta do dedo médio na borda do copo lentamente, esperando que algum som venha romper o silêncio da sala. Há apenas a música que toca em minha cabeça e o silêncio ensurdecedor do lado de fora. São dois ambientes que não se misturam por completo - o lado de dentro e o lado de fora do corpo. E o lado de fora é oco, por mais estranho que possa parecer, enquanto meu interior ebule em maciez e doçura - porque hei de ser doce e suave em meus desatinos. E quando meus olhos cerram-se na noite do meu espírito partido, as trevas me engolem inteira pra tua morte, pro teu desespero homicida de me querer mais que me amar, de me destroçar em partes que não se reunem novamente, de me pulverizar no meio de tua fome, de tua miséria, de teu desengano. E já não sou mais eu, então. Sou tuas vísceras. Sou tua saliva. Reviro teu estômago com força mas não quero que me regurgites. Sou umas dores que se espalham pelo teu corpo, pelas tuas veias bailarinas de homem nu. Sou aquela droga que te acelera o pulso e te dilata a pupila - aquela adrenalina que bebes a goles largos em noites cinzas. Um movimento bruto enlaça nossos desejos mórbidos de seres distintos. 
Sou inteira teu rancor e tua matança.
 

2 comentários:

André Braga disse...

A melhor poesia em prosa da atualidade... é só ler pra crer!

I'm Nina, Marie, etc... disse...

André, seu lindo! Sempre me fazendo crer nessas coisas...
Beijo!